Quando se fala em escravidão, muitos ainda pensam em imagens do passado: correntes, senzalas, castigos físicos e mercados de pessoas. No entanto, a escravidão nunca deixou de existir. Ela apenas mudou de forma. Hoje, ela assume rostos mais silenciosos, menos visíveis e, justamente por isso, mais difíceis de combater. A escravidão moderna está entre nós — e os números revelam uma crise global de grandes proporções.
De acordo com o Índice Global de Escravidão 2023, publicado pela Walk Free Foundation, mais de 50 milhões de pessoas vivem atualmente em condições análogas à escravidão no mundo. Desses, cerca de 28 milhões são vítimas de trabalho forçado e 22 milhões sofrem casamentos forçados. Isso significa que, em média, 1 em cada 150 pessoas no planeta está submetida a alguma forma de escravidão moderna.
As formas de escravidão contemporânea variam conforme o contexto socioeconômico e geográfico. Elas incluem trabalho forçado, exploração sexual, servidão por dívida, tráfico humano, trabalho infantil, casamentos infantis e forçados, exploração doméstica e servidão rural. Embora afetem principalmente os mais pobres, essas práticas estão presentes em países ricos e pobres, democracias e ditaduras, áreas urbanas e zonas rurais.
Muitas das vítimas estão inseridas em cadeias produtivas globais que abastecem setores como moda, agricultura, mineração, tecnologia, pesca e construção civil. A demanda por produtos baratos, combinada com a terceirização excessiva e a falta de fiscalização, cria um ambiente propício para a exploração silenciosa de trabalhadores invisíveis.
Os fatores que alimentam esse cenário são diversos: pobreza extrema, desigualdade de gênero, migração forçada, desastres naturais, conflitos armados, falta de acesso à educação, discriminação étnica e ausência de proteção legal. A escravidão moderna é, portanto, sintoma de um sistema que tolera a exploração humana como parte do modelo econômico.
Mesmo com avanços legais em muitos países, a escravidão moderna continua crescendo. A digitalização e o uso de redes sociais, por exemplo, vêm sendo usados por aliciadores para atrair vítimas com promessas falsas de emprego ou relacionamento. Já o trabalho remoto e o uso de criptomoedas dificultam o rastreamento de transações ilegais.
Organizações internacionais como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), ONU, UNODC e OIM têm chamado atenção para a urgência de enfrentar o problema com políticas públicas consistentes, cooperação transnacional e conscientização em massa. Mas o combate à escravidão moderna também depende da sociedade civil, que deve exigir transparência de empresas, pressionar governos, proteger as vítimas e educar comunidades.
O silêncio é o maior aliado da escravidão moderna. Conhecer os dados, reconhecer os sinais e assumir um papel ativo na denúncia e prevenção é parte do compromisso coletivo com os direitos humanos. Ninguém deve ser tratado como mercadoria. Em pleno século 21, permitir que isso aconteça é negar nossa própria humanidade.