A fronteira entre o México e os Estados Unidos é uma das mais extensas e vigiadas do planeta. Com mais de 3.100 quilômetros de extensão, ela corta desertos, rios, montanhas e cidades divididas à força. Ao longo dessa linha, todos os dias, milhares de pessoas arriscam suas vidas em busca de uma promessa: segurança, dignidade e oportunidades do outro lado. Mas o que deveria ser uma travessia geográfica se transforma, para muitos, em um corredor de violência, abuso e morte.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 1.200 pessoas morreram em 2023 tentando cruzar essa fronteira — o maior número desde o início dos registros. Muitas dessas mortes ocorrem por desidratação no deserto, afogamento no Rio Grande, quedas de muros, ou acidentes com veículos clandestinos. Centenas de corpos permanecem não identificados. São homens, mulheres, crianças e adolescentes que desapareceram no silêncio da terra seca, longe de qualquer assistência.

Apesar dos perigos evidentes, o fluxo migratório continua crescendo. As causas são múltiplas: violência política e de gênero, pobreza extrema, colapso climático, perseguições religiosas, desastres naturais e fome. Vêm da América Central, América do Sul, Caribe, África, Ásia. São famílias inteiras, jovens desacompanhados, mães com crianças no colo, trabalhadores rurais e estudantes que perderam tudo e agora buscam apenas sobreviver.

Mas a travessia não é gratuita. Para tentar cruzar, muitos recorrem a redes criminosas conhecidas como coiotes, que operam com ramificações transnacionais e vínculos com o narcotráfico e o tráfico de pessoas. Os valores cobrados por essas organizações variam conforme o trajeto, o destino final e o “pacote de serviços” oferecido. Atualmente, uma travessia irregular pode custar entre US$ 10.000 e US$ 25.000 por pessoa, segundo reportagens recentes da NBC e dados da Migration Policy Institute.

Alguns prometem “rotas seguras” com etapas de carro, ônibus ou avião, além de subornos a agentes de imigração e uso de documentos falsificados. Outros simplesmente abandonam as vítimas no deserto, forçam marchas de dias sob calor extremo ou mantêm pessoas em casas de espera, muitas vezes sem comida, sob violência física e psicológica. Há também relatos de violência sexual sistemática contra mulheres e adolescentes, usadas como moeda de troca por membros dos cartéis.

O custo da travessia, além de financeiro, é emocional, físico e existencial. Muitas famílias vendem tudo para financiar a passagem de um parente — que, ao chegar, é forçado a trabalhar em condições degradantes para “pagar a dívida” com os coiotes. Em outros casos, a dívida se transforma em chantagem, obrigando a vítima a recrutar outras pessoas ou participar de atividades ilegais para saldar o valor prometido.

As crianças e adolescentes desacompanhados são os mais vulneráveis. Muitos são levados por coiotes contratados pelos pais que ficaram em seus países de origem. Esses menores correm risco de tráfico sexual, exploração laboral, desaparecimento ou detenção prolongada em centros migratórios superlotados, sem acesso a apoio psicológico ou jurídico adequado.

A resposta das autoridades nem sempre protege. O sistema de asilo dos Estados Unidos está sobrecarregado, e políticas migratórias cada vez mais restritivas dificultam o acolhimento humanitário. Barreiras físicas e legais se somam à precariedade dos abrigos temporários, ao uso de tecnologias de vigilância e à militarização da fronteira. Em vez de segurança, milhares de pessoas encontram muros, prisões e deportações sumárias.

A travessia pela fronteira sul dos Estados Unidos é, hoje, uma das maiores crises humanitárias silenciosas do Ocidente. E enquanto ela for tratada apenas como questão de segurança nacional ou estatística migratória, os corpos continuarão se acumulando na areia.

Dar visibilidade a essas histórias é uma forma de resistência. Reconhecer o drama vivido por essas pessoas é o primeiro passo para romper com a indiferença. A dignidade não pode ser dividida por cercas. A vida humana não pode ter seu valor calculado em dólares por coiotes.

Cada pessoa que cruza a fronteira carrega não só uma mala, mas uma história. E nenhuma delas merece terminar enterrada no anonimato.

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